Histórias de Nilson
Ericeira em:
Meu soldadinho de papel
Valente vencia a todos
previamente estabelecido para serem vencidos. Soldadinho bravo, quantas guerras
venceste. Era um soldadinho falante, briguento, valente. Mas parecia um bêbado
em fim de festas Foi idealizado para não se segurar em suas próprias pernas,
aliás não tinha.
Vindo de um planeta que
todas as crianças vêm: o Planeta da alegria. Era branco e de pouca altura, pele
fofa e sensível, tinha cabeça grande e chata. De pouca barba e olhos
arregalados. Parecia se admirar de tudo, então vivia dando cambalhotas. Era
feliz e me fazia feliz. Não se acomodava em pé, aliás pés não tinha. Tinha
penas uma base leve e uma cabeça muito pesada a qual dada sentido as mil e uma
peripécias. Ele era muito disputado pelas crianças da Franca.
Esse soldadinho não sai de
mim. Encontra-se encontra com os carrinho de tubo de linha, liga, vela e palito
de picolé. Iam e vinham na minha imaginação. Assim, formavam casas, ruas, estradas.
E nas estradas da vida, compunham um cenário que enriqueciam o meus dias. Cada
dia novas estradas, novas cambalhotas, novos vizinhos e muita imaginação. Deus
não me tire daqui! Gritava o meu soldadinho. Ou mundão bom!
Meu soldado não morreu,
corre nas ruas que são avenidas em mim. Moram comigo e os guardo igual meus
carrinhos de lata de sardinha, minha bola de meia, meu cavalo de talo de
palmeira e bananeira, meus novilhos de osso, meu carro cheio de “açúcar, arroz,
farinha e feijão”, meu joguinho de tampinhas e moedas.
Mas o meu soldadinho vivia
saltitando, parecia um artista. Ninguém poderia tirar para brincar que logo
dava uma daquelas cambalhotas. E um certo dia, bem perto de uma estrada que
dava com o reino da infância, via-se ali, cavalos bastando, homens trabalhando,
feira, postes e casebres, luzes acesas.
Um descuidado esmagou meu soldadinho
que nem teve tempo de pular e foi esmagado
pela botina de um retirante. Ih, esmagaram o brinquedinho de meu filho! Só
comigo refiz o texto: tiraram a vida de meu soldadinho. Ele que me fazia
continências como seu eu fora um general. Logo ele que dormia comigo, me
despertava, me abraçava, pulava da rede, escondia-se entre o lençol ou espiava
pela flecha da parede se alguém nos incomodava.
Naquele dia fatídico da
minha infância, pela primeira vez eu vi o soldadinho de encantos estraçalhado
no chão esburacado da casa velha. Não teve jeito, a liga que segurava seu
cérebro de chumbo arrebentou, seus olhos arregalados partiram-se, sua cabeça
chata esfarelou, sua cor branca acinzentou com o sujo do chão, sua boca rascou,
seu coração partiu e o seu idealizador chorou. É chorei mesmo com o ímpeto de
macho que a sociedade paternalista me encucou
Não me lembro de quantos
soldadinhos ainda vivo, mas sei que na minha infância, um soldadinho me deu
alegrias e me projetou em mundo adulto.
Eu sei que meu soldadinho
não é igual a vida que tantas crianças dão a tantos outros soldadinhos que
anima suas vidas, mas de uma coisa eu tenho certeza: que ele não sai de dentro
de mim.
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