O descer das águas

Bate chuva, bate chuva sem parar.
Os pingos fortes de chuva batem sobre os telhados.
O vento, o frio, as muriçocas…
Meu pai dorme, meu irmão espicha-se.
Eu só tento buscar os fios de meus tecidos.
E logo vejo que a chuva não é só minha.
A cidade recebe, regos e poças se formam.
Sapos coaxam, o peixe entra sorrateiro em piracema.
Girinos, alevinos, moleques, meninos…
Landruás, caniços, tarrafas e linhas.
Corre menino pra nós despescar.
É banho de chuva.
Meus ossos frios e velhos mal aceitam as contorções da idade.
Mas ainda meu cérebro fervilha.
Sinto uma saudade quase na beirada da minha nostalgia.
De pai, de pai de família, de um rebento e de uma que arrebenta meu coração.
Penso em coisas da vida, vejo pessoas, assisto a cenas.
Graças, pois em nenhuma eu sou o ator principal.
Outros que deram guarida, abraços, o calor do abraço.
Falo de coisas inesquecíveis, pois indexadas em mim.
Mesmo que numa matéria ambulante de um ser pensante.
Agora já aumenta a frequência da água no teto.
Trovejos, relâmpagos…
Nem assim me afasto do meus dedos.
Que me atendem e buscam harmonizar o meu discurso.
Nem o cansaço do dia me tira de tempo.
É tempo de varar a noite e escutar os pingos correrem nas goteiras.
Sair bem devagarinho para assistir o moço velho que de mim não se desgarra.
Pois são laços de um coração falante, amante e que me dá vida a todo instante.
Igual a essa chuva cessante.

Nilson Ericeira

(Robrielle)