O Carne Sêca e os seus moradores de antigamente

MEMÓRIAS PÓSTUMAS

 Paulo
César Ericeira – PC Ericeira, saudoso poeta e escritor arariense

Para
quem não sabe ou não se interessou, o bairro ou Rua Carne Sêca ficava exatamente
na divisória da casa de ‘seu’ Dico Baralha, uma casa de comércio bastante
movimentada que à época que vendia de tudo e tinha um depósito onde o proprietário
comprava côco babau para exportar para São Luís. O que geralmente era feito em
lanchas que aportavam no porto de mesmo nome. Hoje, parte do bairro do Carne
Sêca se transformou em bairro da Coréia ou apenas Coréia.


no Porto de Dico Batalha!

Ao
entardecer no Carne Seca era fantástico. Além da tranquilidade do lugar, as
brincadeiras que eram realizadas pela criançada, os moradores, a paisagem do Mearim
com aningais, corticeiras, praias de esmeril, banhos de mapongas, nos fazia
acreditar que este era o único mundo a existir.

Os
quintais eram todos um só, não existia divisão de amizade, ali a passagem era
franca, todos desfrutavam dos tamarineiros, goiabeiras, cajueiros e tudo que
produziam. As pontes que ligavam um quintal ao outro, tudo na maior amizade, as
porteiras sem cadeado, tudo livre, naquele mar de rosas.

O
jogo de futebol, as brincadeiras de roda, peão, peteca o salto de galho de
árvores, fazenda de ossos, esconde-esconde e a pata sega eram centenas de
atividades realizadas numa harmonia sem igual.

Os
moradores até hoje moram na minha lembrança: O Velho Raimundo Pinto e dona
Sabina, quanta paciência ao caminhar e falar; doma Mundoquinha, sapiência, que em
lágrimas traduzia todo o seu amor. Tia Fausta, era assim que todos chamavam, que
morava sozinha, mas numa humilde casa, onde uma imagem de Santo Antônio a
acompanhava. Dona Enedina e dona Conceição Bagre, duas mulheres guerreiras. Essas
sim eram guerreiras, criaram e educaram os filhos na maior dificuldade e com
trabalho incessante.

E
o que falar de Rita de Cássia! A nossa Mãe Ritinha, que doçura de pessoa, um
exemplo de amor e dignidade, era uma mãe na essência da palavra. Mãe de todos nós,
mãe que adivinhava a inquietação de alguém com fome e sede. Juntas Bibi e Mãe
Ritinha faziam da vida uma orquestra de emoções. A hora era ditada por elas nas
madrugadas quentes na fabricação do azeite de côco.

Dentro
dessa mesma história não podíamos deixar de ressaltar a vida de João Pedro de
Sousa e Dona Maria José. Eram casados, e companheiros na essência da palavra, eram
verdadeiros amigos, fiéis às tradições religiosas, político por amor, porque
dela na sustentava a sua família e sim com os peixes que pescava, vendia e
distribuía aos seus vizinhos. João Pedro foi vereador por alguns mandatos em
Arari. Fervoroso oposicionista.

Lembrar
também do velho Joaquim Cereiro, senhor Benedito Sanches é voltar a memória
para esse lugar que em tardes maravilhosas, japis transportavam alegria de um
lado para outro, e em revoadas multiplicavam a nossa infância em dias sem fim.

O
carro de boi do velho carreiro, as suas irmãs Biloca, Janoca, Mundoca e o senhor
Raimundinho Sousa completavam em nossas vidas a harmonia de bem viver no Carne
Sêca de antigamente que agora não existe mais.

Foram
todos, os vizinhos, as brincadeiras e os japis, que em revoadas desaparecem da
minha da nossa inesquecível Carne Seca.