Meu retrato na parede

Parece amarelado

De vez enquando furta tonalidade de outrora

O tempo, ah o tempo me tirou coisas e me deu outras

Vejo-me nos três tempos do verbo

Só sei que passei…

Ainda que o futuro não sejam as projeções

Mas o agora

Para dizer que deixei o meu retrato

Tomo-lhe em personagens

Vendendo picolés nas ruas

Pescando de corda no Mearim

Engraxando sapados no tabuleiro milagroso!

Remando contra a desigualdade

Superando a fome com a felicidade posta

Ah, meu retrato está nas parede do mundo

Não apenas naquela esburacada da sala

Ou no quando de madeirite com nosso time preferido

Nem na caderneta da escola Prefeita Justina Fernandes

É que a vida nos dá cenários e reflexos

Eu sou o reflexo de mim mesmo em três tempos

Ou apenas em tempos…

Queria ser infinito e eterno, mas sou gente

E gente que é gente vai à praça e volta

Sente dores e fomes

Saliva seus ‘poemas’ e contra argumenta a si mesmo

Recolhe-se nos seus reflexos

Ah meu retrato das paredes da vida!

Aqui estou a entregar o expediente do dia

Servir café e lavar banheiros fétidos

Alguns destes poluídos com odor político

A minha melhor fotografia é invisível

Muitos nunca verão

Sou gente: de sentimentos e amor

Sou pessoa em composição e decomposição

Trago no peito as falas do coração

Por isso, vivo a fotografar de mim mesmo e do mundo

Nem sempre capto a melhor imagem

Ainda que corra para a academia

Outros tomadas de imagens

A discussão, o debate, o diálogo com os pensadores

Meus colegas e professores

Ah como eu queria ter um quadro bem grande na minha parede daquele tempo

É, mais àqueles bentivis já voaram…

E como será que estão seus tataranetos

Que pena, resta-me a foto do andarilho ligeiro rumo ao restaurante

Por vezes a única ‘boia’ do dia

A prosa na área de convivência, a televisão, os colegas…

Somos mesmos uns tais

Ainda bem que resgatei a minha foto lavando os degraus

Passando sabão onde os outros pisam, pisaram, passaram…

E, assim me abasteci de saberes ainda que a minha fonte seja rasa

Bebi, deleitei, aprendi, amei e, por vezes, me revoltei

Fiz poemas mudos, passei fome, angustiei-me

Ali na república, um bife vermelhinho de coral e formigas

Num comensalismo e camuflagem

Mas na fotografia: o bicho devora o homem

O homem devora o bicho

A revolução dos bichos

No meio da sala a baladeira me espera

O retrato mistura-se a um cheiro de tinta infernal

Espicho as pernas e toco na mesa velha feita pelo artesão de Arari

Aliás, ela até hoje recebe meus delírios, suporta-me

Ah, minha imagem sou eu

Portanto, recortes da minha vida

Nilson Ericeira

(Robrielle)

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